O PRÍNCIPE NEGRO

O príncipe negro

Há uma linha tênue entre o amor e o ódio. São duas forças brutais do universo, intensas como o fogo, ambas trazem consequências desastrosas a quem as possui, caso não saiba como conte-las.

Edward era um homem impulsivo, lutador apaixonado, visionário. Possuía o amor e o ódio dentro dele, flamejantes como em nenhum outro homem. Edward sabia como conter essas forças destruidoras, mas preferia não fazê-lo, preferia direciona-las contra seus inimigos durante a batalha. Ele lutava por amor e lutava também por ódio, e assim, uma força nutria a outra. Esse era o segredo do Príncipe Negro.

França, 19 de Setembro de 1356.

O machado veio de cima. Edward recuou seu corpo para a direita, vendo a lâmina passar diante de seus olhos e se enterrar no chão. O homem que desferiu o golpe ficou ao lado dele, o corpo exposto, seu braço ainda segurava o cabo do machado quando foi cortado pela espada do Príncipe Negro. A espada zuniu uma segunda vez e a cabeça do Francês rolou pela grama, segundos antes de seu corpo cair no chão.

Os Ingleses mantinham o certo na cidade de Tours a muito custo. Edward olhou a sua volta, seus homens estavam morrendo, ele já havia matado dezenas de inimigos, mas não podia vencer sozinho. Seu exército precisava se recompor. Foi com peso no coração que ele gritou:

– Recuar! Fujam para a mata! – e se lembrou de quando teve que fugir pela primeira vez.

Ele tinha 10 anos e ela 12.

– Venha, Joana, por aqui.

– O que está fazendo, Edward?

– Aqui, veja! – ele havia feito um banquete para ela na mata, à luz do luar. Havia velas e doces roubados da mesa do rei. A menina fica boquiaberta, ele lhe entrega uma rosa.

– Que lindo, Ed, eu não sei o que dizer – suas mãos se tocam, os dois garotos se olham, seus lábios se aproximam, quando são interrompidos por uma rizada alta e uma voz grave começa a falar.

– Mas que bonitinho, o principezinho está apaixonado – era Tomás Holland, um jovem cavaleiro a serviço do rei – você não contou a ele, Joana? Ficou com pena de partir o coração do futuro rei? – ele olhou fundo nos olhos do assustado Edward – nós vamos nos casar.

– Isso é impossível – gritou Edward – você é muito mais velho que ela, ninguém mencionou isso no castelo.

– Claro que não, imbecil – continuou Tomás, secamente – é um segredo nosso. Que você guardará, ouviu bem? Eu notei você a seguindo como um cãozinho, por isso estou lhe contando, pois tenho pena de você. Ela é uma dama e precisa de proteção. Você pode protege-la Edward? – disse isso e sacou a espada.

Edward deu um salto para trás de susto, mas logo agarrou um grande galho no chão e partiu para cima de Tomás. O cavaleiro defendeu o ataque do galho com a espada e chutou o menino para longe, que caiu de costas no chão.

– Você não pode proteger nem a si mesmo, Edward. Ela é minha!

O menino pega um punhado de terra na mão direita e arremessa nos olhos do cavaleiro. Com um urro de dor, Tomás dá golpes de espada ao vento, sem enxergar nada.

– Eu vou te matar! Vou te matar!

Joana levanta Edward e o tira do alcance da espada de Tomás. Com lágrimas nos olhos ela lhe dá um beijo e diz:

– Fuja, Ed. Vai ser melhor assim, não quero que se machuque. Sinto muito.

Ele corre, chorando, ferido, sente a escuridão tomar seu coração. Jurou, a partir dali, que se tornaria o melhor cavaleiro de todos, não seria derrotado nunca mais.

Agora, 16 anos depois, estava correndo pela mata de novo, fugindo dos franceses. Não podia deixar aquilo acontecer. Sentiu dentro de si o amor que tinha por Joana, o amor que tinha pelo seu país e por seus cavaleiros, e também o ódio, o ódio por ter perdido seu amor, ter sido humilhado, o ódio por seus inimigos. Deixou todo aquele sentimento queimar dentro dele e chamou seus homens.

– Alto! Chega de fugir. Abandonem as carroças de carga e se reúnam comigo. Quero um relatório.

– Senhor – um dos cavaleiros começou – os franceses estão em nosso encalço, vão nos pegar antes de chegarmos a Poitiers.

– São muitos e estão motivados – disse outro – o Rei João II está com eles. Virão com tudo, não conseguiremos bater de frente com eles outra vez, morreremos todos.

– Não bateremos de frente com ninguém – disse finalmente o Príncipe – os acertaremos enquanto estiverem distraídos. Arqueiros, se escondam na floresta, à direita e à esquerda. Esperem o meu sinal.

Minutos depois os Franceses estavam em cima deles. Espadas tilintavam, armaduras se partiam e sangue se misturava com a terra no chão.

Os cavaleiros Ingleses recuavam aos poucos, os homens olhavam para o Príncipe angustiados e recuavam, cada vez mais.

– Ainda não – ele dizia enquanto quebrava o maxilar de um Francês com um soco e as costelas de outro com a ponta de sua bota. Mesmo assim os inimigos estavam furiosos e os Ingleses recuavam mais.

– Agora! – Gritou Edward, e da direita e da esquerda os arqueiros Ingleses atiraram uma chuva de flechas em cima do exército inimigo. As armaduras Francesas eram reforçadas na frente, mas frágeis nas laterais e atrás. Muitos caíram, os cavaleiros cuidaram do resto.

Ao fim do dia, o exército que já havia se dado por vencido, estava agora com o Rei João II da França como prisioneiro e voltavam para casa, vitoriosos. Todos os homens estavam em festa, exceto o Príncipe Negro. Era 19 de Setembro, aniversário de Joana. Queria poder lhe enviar uma carta, dedicar essa vitória a ela, dizer que seu amor por ela serviu de combustível durante a luta, que era agora o guerreiro mais habilidoso do reino. Mas de nada adiantaria. Joana estava casada com Tomás, restava a Edward enegrecer ainda mais seu coração e transformar esse amor em ódio contra seus inimigos, em fogo para ser usado em outro dia, em outra batalha.