Aqui está a história de Origem do grande Chapolin Colorado: como a carreira do herói começou.
Esse e outros mistérios sobre alguns personagens do universo criado por Roberto Bolaños são desvendados nesse e-book, criado como uma homenagem ao autor. Uma história divertida que resgata a essência do personagem em uma aventura que você sempre quis ver.
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Parte I – Um Sábado sem fortuna

Um homem velho entra em um restaurante olhando em todas as direções, seus olhos percorrem o ambiente até encontrar o que procura. Ele se senta em uma mesa vazia, sem tirar os olhos do alvo.
– Deseja alguma coisa? – o garçom o aborda.
– Sim, que você me deixe em paz – responde o velho rispidamente.
O garçom anota alguma coisa em seu caderno e continua.
– Certo, e para beber?
O senhorzinho, que estava concentrado em seu alvo, vira a cabeça lentamente sem entender.
– Como assim, “e para beber”? O que você anotou aí?
– O senhor não pediu pasta?
– Não, eu pedi paz. Quero que suma daqui!
– Ah, bem que eu gostaria, mas preciso do emprego. O senhor não quer um macarrão com almôndegas?
– Não!
– Olha, o senhor precisa pedir alguma coisa, ou o patrão vai começar a encrencar e mandar o senhor sair daqui.
– Pois diga a seu patrão que só quero descansar em paz.
– Ah, na sua idade isso não deve demorar muito.
O homem aponta um olhar furioso ao garçom – Insinua que sou velho?
– Não, imagina, só acho que essa sujeira na sua unha deve ser barro do dilúvio.
O velho enche o peito para berrar com o garçom, mas este o interrompe distraidamente.
– Que tal um macarrão com almôndegas?
Tentando se livrar do garçom intrometido, o velho concorda.
– Tá bom, me traz o macarrão com almôndegas.
– Ótima escolha, senhor! Mas preciso avisar que acabaram as almôndegas.
O velho respira fundo.
– Me traga uma lasanha, então.
– Claro, senhor.
– Com almôndegas.
– Mas, senhor – o garçom tenta falar pausadamente – eu acabei de dizer que não temos almôndegas.
– Foi você quem ofereceu, não tem nada de bom aqui?
– O prato pronto do dia está muito bom.
– Me traz um prato feito então, já que é assim…
– Sim, senhor…
– Mas capricha nas almôndegas.
O garçom se desespera.
– Escuta, senhor… senhor… – mas, com os olhos concentrados novamente no alvo, o velho para de ouvi-lo.
– Para onde o Sr. Está olhando?
– É ele!
– Ele quem? – o garçom pergunta, tentando encontrar o que ele estava olhando.
– Shh, sente aí, ele está olhando para cá! – o homem puxa o garçom pelo braço e o faz sentar na cadeira – Está vendo aquele homem ali, com cara de chimpanzé reumático, magrelo e de chapéu?
– Ora, aquele é só um… – os olhos do garçom se arregalam – meu Deus, estou reconhecendo ele dos jornais, é Tripa Seca, o bandido. Eu vou chamar a polícia.
Ele tenta se levantar, mas o velho o puxa de volta.
– Não, nada de polícia. Não se preocupe, ele não vai ferir ninguém.
– Ufa! Que bom… como você sabe?
– É que eu vou mata-lo!
– O que? Como?
– Com esse revólver, veja!
O homem puxa um revolver de dentro do casaco e o garçom quase desmaia ao ver a arma – não, o senhor não pode fazer isso, ele é um criminoso muito perigoso, o senhor pode morrer!
– Eu já não me importo, minha vida não tem mais valor para mim.
– Que o senhor não vale nada, isso não é de se discutir, mas porque quer morrer? Imagine, só, nunca mais poder comer almôndegas, ou nosso especial do dia: Chapolin Colorado! Tem gente que acha os gafanhotos nojentos, mas na verdade são bem crocantes, os chapolins são um tipo especial e bem saboroso, sabe…
– Você só pensa em comida?
– Se a gente não comer, a gente morre e, se a gente morre… não pode comer… pense nisso, o que pode ser pior?
– O pior – responde o velho num tom sóbrio – é ficar sem minha esposa, que nunca mais vou ver por culpa desse bandido safado.
Com semblante entristecido, ele tira do bolso um lenço com alguns objetos metálicos e os põe sobre a mesa.
– Esse lenço é a única coisa que tenho para me lembrar de minha amada. Mas veja, comprei essas balas e tem uma com o nome dele escrito.
O garçom pega a munição e analisa, fazendo uma careta:
– Está escrito errado, Tripa Seca é com “S” e não com “C”.
– Não importa! Vou coloca-las no revólver e ele vai ver só… ai… droga! Não, não, não, não…
– O que foi?
– Não cabem!
– Deixe-me ver! Ah, é isso, seu revólver é calibre 38, as balas são calibre 40. Não vai encaixar nunca.
O velho faz uma careta irritado e começa a abrir e fechar as mãos.
– Isso me dá coisas!
– O que aconteceu com sua esposa, senhor… qual é mesmo o seu nome?
– Sou o Doutor Chapatin, muito prazer. Bem… vou lhe contar sobre minha esposa:
***
Minha querida Rosa Rumorosa era uma mulher muito atraente, nós nos conhecemos ainda jovens.
– Jovens? Nossa, isso deve ter sido no tempo do velho-Oeste.
Não me interrompa! Estou contando a história.
– Desculpe.
Eu sempre fui apaixonado pela Rosa, mas ela nunca me notou, sempre fingia que não me via na rua, andando com os namorados mal encarados dela, aposto que eles a faziam sofrer muito, coitadinha. No entanto, depois que me formei médico, nos encontramos de novo.
– Chapatin, quanto tempo não nos vemos!
– Quem, eu? Você sabe meu nome?
– Claro que sei, eu sempre te notei. Ouvi dizer que você é médico agora, deve estar fazendo uma nota.
– Ora, eu não diria isso… claro que os honorários de médicos são bem interessantes, mas…
– E deve ser muito difícil ser sozinho e não ter ninguém para te ajudar a gastar, digo, a compartilha as alegrias da vida.
– Não é bem assim…
E assim, sem mais nem menos, ela me beijou. O amor que sentia por mim não podia mais ser contido. Nos casamos no dia seguinte, com comunhão total de bens, foi o dia mais feliz da minha vida.
Não vou dizer que nossa vida de casado era perfeita, tivemos nossas dificuldades também.
– Rosa, meu amor, você passa o dia inteiro naquele Saloon, quase não te vejo.
– Eu tenho que trabalhar, querido. Não sabia que você cobrava só 50 pratas por consulta. Como vou manter o glamour sendo pobre?
Até que um dia, ouvi a notícia de que o bandido Tripa Seca estava assaltando diligências na região. Todo preocupado, fui ao Saloon para ver se minha bela Rosa Rumorosa estava segura. Que surpresa tive quando a vi dentro da carruagem dele, que partia rumo ao desconhecido.
Pobre Rosa, deveria estar apavorada, tenho certeza de que a gargalhada que ela deu quando me viu foi um tipo de pedido de socorro. Nunca mais a vi depois disso.
– Carruagem, diligência, saloon? Em que ano isso aconteceu?
Já falei pra não interromper minha história.
– Desculpe, continue então…
Já acabei.
***
– Escute, por que o senhor não vai para casa, descansa e deixe que a polícia prenda o Tripa Seca? Um menino que morava comigo me ensinou uma frase importante: “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena. “
– É uma frase muito bonita, deve ter sido um menino muito inteligente.
– Não, ele é mais burro do que uma porta, mas tem um coração bom – o garçom resolve continuar falando, para tentar desviar a atenção do velho daquela ideia macabra – Era um menino de rua quando minha avó o acolheu na casa 8 da vila, a menor de lá, mas para nós estava ótimo. Minha avó morreu naquele ano mesmo, nossa vida era difícil, não tínhamos o que comer, ele ficava no cortiço brincando com os amigos dele e eu passava o tempo quase todo na rua, tentando conseguir dinheiro para comprar alguma comida. Mal conheci meus vizinhos. Passamos por tanta coisa, que hoje eu queria fazer algo importante pelos outros, ajudar as pessoas que também passam dificuldade, mas eu estou preso nesse lugar.
Os dois ficam em silêncio por alguns instantes, então o garçom pega os objetos das mãos do velho, enrola as munições no lenço e coloca tudo dentro de um saco de papel marrom.
– Aqui, segure isso e nunca mais abra esse saco – ele diz – deixe que fique aí dentro todo o rancor, a mágoa e os pensamentos ruins. Não deixe que saiam daí para ofender as pessoas.
– Muito obrigado – o velho responde, espantado com o gesto, agarrando firme o saquinho de papel em sua mão.
Neste momento, Tripa Seca aparece sorrateiramente por trás deles. O garçom o vê e perde a fala, mas Dr. Chapatin não percebe e continua falando.
– Mas aquele pedaço de tripa escorrida tem que aprender uma lição.
– Não, imagina, ele até que é simpático – diz o garçom apavorado.
– Simpático? Com aquela cara de quem chupou limão estragado? Parece até que a cara dele pegou fogo e apagaram às sapatadas.
O garçom faz gestos para o doutor se virar, mas ele não percebe e continua falando – ele é tão feio que, quando nasceu, quem levou o tapa foi a mãe dele – então a mão pesada de Tripa Seca cai em seu ombro.
– Posso saber de quem o senhor está falando? – Tripa Seca diz, com o olhar cheio de raiva.
– Daquele macaco virado do avesso que é o Tripa Seca… – Dr. Chapatin se vira e pula da cadeira ao ver Tripa Seca. Ele então se revolta e bate com o saco na cabeça do vilão.
– Tá querendo me matar de susto?
– Não, estou querendo te matar a tiros.
O velho se encolhe de novo.
– Eu acho… – começa o garçom.
– Cale a boca! – interrompe Tripa Seca – Vocês estavam aqui, tramando contra mim, há dois metros de onde eu estava, e pensou que eu não iria notar? Acha que eu sou burro?
– Mas é claro!
– O que?!
– Digo… digo…
– Já chega! – o vilão saca o revólver – vou espalhar os seus miolos por todo esse restaurante.
O garçom salta entre o bandido e o velho e grita decidido:
– Por favor, não faça isso!
– Isso, obrigado por me defender – Chapatim suspira aliviado.
– É que se você espalhar os miolos dele no restaurante, quem vai ter que limpar sou eu. Você sabe como é difícil limpar manchas de sangue?
O Dr. Faz cara de indignado, já Tripa Seca se mostra compreensivo:
– Uma dica é colocar um pouco de vinagre, sempre que eu mato alguém acabo me sujando e o vinagre ajuda a dissolver.
– Ah, interessante, obrigado…
– Ei, cadê o vovô?
Chapatin aproveitou a conversa para sair de fininho, mas nem havia alcançado a porta quando um tiro vindo da arma de Tripa Seca acertou a parede a seu lado, abrindo um enorme buraco.
– Hoje é o dia em que sua hora extra neste mundo acaba, velhote. Mas como estou bonzinho, te dou 10 minutos para se preparar. Me encontre lá fora para um duelo, ou melhor, um massacre – Tripa Seca solta uma risada e sai pela porta da frente do restaurante. O doutor fica inconsolável.
– Psiu, tive uma ideia! – diz de repente o garçom, falando baixo – eles estão te esperando na porta da frente, você pode fugir pelos fundos.
Os dois vão, de fininho, até a porta dos fundos do restaurante, mas não conseguem passar. Um homem muito gordo, todo de preto e usando um chapéu, está bloqueando a saída.
– Que azar o nosso que essa baleia veio encalhar justo aqui.
O homem gordo franze a testa e saca uma arma, dizendo:
– Vocês não vão a lugar nenhum. Tripa Seca colocou vigias em todas as portas e janelas. E digo mais, garçom, se você ajudar o velhote aqui a escapar, matamos você e vamos atrás de toda a sua família.
– Minha família?
– Isso mesmo!
– Escute aqui, malfeitor – o garçom dá um passo à frente e encara o bandido – você tem ideia de com quem está falando?
– Não – responde indiferente o bandido.
– Ufa! Graças a Deus! – se alivia o garçom, voltando-se agora para Chapatin – é, não vai ter jeito, doutor, o senhor vai ter que duelar.
Chapatin começa a abrir e fechar as mãos, visivelmente nervoso.
– Oh, e agora, quem poderá me ajudar? – ele diz e olha para o garçom, que finge não ter ouvido nada.
– Eu disse – o doutor continua – “Oh, e agora, quem poderá me ajudar?” – olhando penetrantemente para o garçom.
– Quem, eu? – diz o garçom admirado.
– Sim, você. Não disse que gostaria de ajudar as pessoas por aí?
– É, ajudar uma velha a atravessar a rua, alimentar os pobres, não lutar com bandidos. Meu dom é com as palavras, como você percebeu. Há um velho e conhecido refrão que diz: “Não lute com um homem, o ensine a pescar”, não espere, acho que é “Mais vale um covarde vivo, do que um peixe morto”. Ah, não, é “Não ensine o covarde a pescar … porque… ele provavelmente vai ter medo do anzol… e matar um peixe corajoso” … viu só o que você fez? Me atrapalhou todo!
– Ah, deixe de besteira, vai deixar que ele mate um pobre homem indefeso?
– Não, eu jamais conseguiria ficar quieto vendo um velhinho senil ser assassinado – O garçom fala e leva imediatamente uma pancada na cabeça vinda do saquinho do Dr. Chapatin.
– Velho é a sua avó.
– Olha doutor, eu te ajudo, mas preciso de um disfarce, eles vão matar minha família por te ajudar. Preciso, pelo menos, usar um apelido para ninguém saber quem eu sou de verdade.
– Não temos tempo pra isso, escolhe alguma coisa do cardápio que está em sua mão e usa como apelido, qual é o seu prato preferido?
O jovem mal olha o menu e seu rosto se ilumina.
– Já sei! De agora em diante, podem me chamar… de Almôndega!
– O que tem eu? – o bandido obeso entra na conversa novamente.
– Você?
– Sim, todos me chamam Almôndega.
– Não imagino o porquê.
Uma voz vem de fora do restaurante, fazendo todos lá dentro gelarem a espinha:
– Tempo esgotado, venha morrer logo, vovô, ou mato todos que estiverem aí!
– Eu acho… – O garçom começa, mas é interrompido:
– Vamos, vamos, não dá mais tempo pra escolher nome – diz Dr. Chapatin. O garçom se agarra ao cardápio enquanto é empurrado restaurante afora. Ele só consegue ler o nome do especial do dia.
– Ah, resolveu morrer no lugar do velhote? Me diga seu nome, quem estou tendo a honra de assassinar? – pergunta Tripa Seca, com olhos enfurecidos voltados para o garçom.
Tremendo, o rapaz tira o avental, deixando à mostra a camisa vermelha que estava usando por baixo. Ele responde:
– Sou o Chapolin Colorado.
O bandido e todos no restaurante caem na risada.
– Pois pelo tamanho está mais para formiguinha amarela.
– Escute, vou duelar com você, mas precisa ser uma luta justa, e eu estou desarmado. A única solução possível é adiarmos o duelo até eu tirar uma licença de tiro, comprar o revólver, mais o prazo de entrega… que tal dia 9 de novembro? Se não estiver chovendo…
– Eu tenho cara de quem liga pra justiça? Entre naquela loja de ferramentas ali – Tripa Seca aponta com o cano do revólver para uma portinha, ao lado do restaurante – pode escolher qualquer coisa dali de dentro pra usar como arma. Mas já vou avisando que seria muito mais rápido se você simplesmente levasse o tiro, eu tenho mais o que fazer, os bancos da cidade não vão se assaltar sozinhos.
Chapolin engole seco.
– Ah, e nem pense em fugir por ali, ou meu companheiro aqui, o Quase Nada, vai te encher de balas e te deixar furado igual uma peneira.
Quase Nada, um homem muito feio, com uma cicatriz enorme no olho esquerdo, dá um sorriso cruel.
Chapolin entra na loja de ferramentas e pega a primeira coisa que vê, uma comprida barra de ferro. Ele aponta a barra de ferro para Tripa Seca e sai, avançando ferozmente. O bandido saca sua arma.
Chapolin tropeça, a ponta da barra de ferro se enfia no chão e ele é arremessado por cima de Tripa Seca, para o outro lado da rua.
– Pare e morra como um homem!
Tripa Seca atira e Chapolin sai correndo desesperadamente, eles ficam correndo em círculos por um tempo, até que a camisa de Chapolin enrosca na barra de ferro, que ainda estava presa ao chão, parecendo um fino poste. A barra se entorta enquanto Chapolin tenta fugir, mas logo escapa da camisa, voltando com tudo e batendo direto no rosto de Tripa Seca. O vilão rodopia e cai.
– Não contavam com minha astúcia! – Comemora Chapolin, aliviado.
– Cuidado, ele está se levantando! – Grita Doutor Chapatin, encolhido na porta do restaurante.
Tripa seca se esforça para tentar ficar de pé, resmungando todo tipo de praga. Chapolin entra de novo loja de materiais para construção e volta com uma enorme marreta. Ele usa toda sua força para tentar erguer a marreta acima da cabeça, para golpear o bandido.
– Tome isso, malfeitor! – mas a marreta é muito pesada, Chapolin perde o equilíbrio e cai de costas no chão. Tripa Seca aproveita a oportunidade e agarra Chapolin pelo colarinho, levantando-o do chão e segurando-o no ar, suas pernas ficam penduradas.
– Diga suas últimas palavras, Chapolin.
– Ainda estou segurando a marreta.
– E daí? Você não consegue nem levantar essa marreta.
– Não, mas posso solta-la.
Ele larga a marreta, que cai no pé do bandido. Tripa Seca fica pulando de dor, Chapolin, agora solto, dá um chute no traseiro de Tripa Seca. O vilão é impulsionado para frente, batendo a cabeça na parede do restaurante e desmaiando.
As pessoas do restaurante e da rua, que tinham parado para ver a luta, aplaudem calorosamente. Os outros bandidos fogem sem serem vistos após a derrota de seu chefe.
– Muito obrigado, Chapolin! – Dr. Chapatin aperta sua mão, com um sorriso no rosto – Você foi muito valente, quero te recompensar pelo seu heroísmo. Tem um projeto que um amigo meu está trabalhando há algum tempo, acho que você seria a pessoa ideal para participar. Isso também seria sua chance de sair dessa espelunca.
O rapaz responde com um olhar desconfiado:
– Não custa dar uma olhada.
Parte II – O que aconteceu com os Supergênios da mesa quadrada

Dois homens descem uma rua de um bairro pouco movimentado. Por trás de um jornal meio amassado, encostado em uma parede aleatória, outro homem os observa. Ele, então, caminha lentamente atrás dos dois, a uma distância segura para não ser visto.
Pouco tempo depois, chegam a um galpão rústico e todo fechado em um beco. Curiosamente, não se dirigem à entrada principal, mas seguem para um canto escuro, sem portas ou janelas visíveis, somente um castiçal com três velas apagadas preso em parede. O mais velho estica o braço e retira uma das velas, imediatamente a parede começa a se mover, abrindo uma passagem secreta, que se fecha assim que os dois atravessam.
O terceiro homem, escondido na esquina próxima, tira o jornal do rosto, com expressão fascinada.
– Finalmente, encontrei! – ele sussurra para si mesmo.
– Ei! – grita uma voz próxima, ele se depara com um grupo de crianças de bicicleta, que vinham da rua oposta e agora o estavam encarando admiradas – você não é Severiano Mirón, o famoso espião?
– Não sei do que vocês estão falando.
– Claro que é, eu vi você em várias capas de revista e também num documentário na TV – o garoto se volta para seus amigos – é ele, gente, Severiano Mirón, o melhor e mais famoso espião do mundo! Todo mundo o conhece.
– Isso, com certeza, não facilita meu trabalho – resmunga o espião, desapontado.
– Me dá um autógrafo, Sr. Mirón?
***
Laboratório do Professor Baratinha
Localização: (quase) secreta
Dr. Chapatin e Chapolin são recebidos pelo Professor Baratinha assim que atravessam a passagem secreta.
– Olá, Chapatin, meu amigo! Então esse é o tão falado Chapolin Colorado?
– Muito Prazer.
– Veja, Chapolin, o Professor Baratinha é meu amigo de infância!
– E ainda se lembram? Vocês dois trabalharam na construção das pirâmides? – Dr. Chapatin acerta o saquinho em sua cabeça – Ok, ok, desculpe. O doutor disse que o senhor é um grande inventor.
– Ora, eu tenho meus experimentos, mas não posso dizer que fiz tudo sozinho, já fomos uma boa equipe de cientistas no passado. Venham para o meu laboratório, por aqui, por favor.
Eles seguem por um corredor até uma grande porta reforçada. No alto da porta, um brasão heroico pode ser visto, com a inscrição: “Os Supergênios da Mesa Quadrada“.
– Do que se trata isso? – pergunta Chapolin apontando para o brasão.
Os Supergênios da Mesa Quadrada era uma ordem de cientistas brilhantes, que se reuniam com intuito de criar invenções revolucionárias e fazer deste mundo um lugar melhor.
– Parece uma ótima ideia!
– E era, mas tivemos muitos problemas, infelizmente. Os cientistas são sempre muito inteligentes, você sabe, mas o poder de uma nova descoberta pode deixa-los meio loucos. Foi o que aconteceu com um dos nossos melhores inventores, que hoje está no manicômio. Além disso, nosso financiador, o Conde Terra Nova, tentou vender a máquina incrível que o cientista louco inventou.
– E para que serve essa máquina incrível?
– Não faço ideia, nem o cientista sabia, mas ela era realmente incrível. Bom, aí descobrimos que o conde estava falindo e queria roubar nossas invenções para lucrar, ao invés de ajudar o mundo, e o programa acabou encerrado.
– Foi realmente uma pena – concluiu Dr. Chapatin – mas, mostre algumas de suas invenções.
– Claro, aqui está algo que vocês vão gostar, uma corneta paralisadora – Ele mostra uma corneta de pressão com dois tubos, um branco e um verde, e entrega para Chapolin – ela emite ondas que atuam no senso de equilíbrio da pessoa, fazendo com que fique totalmente paralisada com apenas um toque e, se der dois toques, a pessoa volta ao normal.
– Impressionante, mas isso funciona mesmo?
– Claro, pode testar se quiser. Use o Chapatin como cobaia.
– Eu? – O Dr. Arregala os olhos.
– Ele já está todo travado, por causa da idade, nem vai fazer diferença.
Chapatin se enfurece e levanta o saquinho para bater em Chapolin, mas o jovem aperta a corneta.
FOM!
Dr. Chapatin fica totalmente paralisado, ainda com o braço levantado, segurando o saquinho.
– E não é que funciona mesmo? – Chapolin sai admirado para o outro lado e se senta em uma cadeira próxima, o professor Baratinha começa a analisar o petrificado Doutor.
– Veja só, é praticamente uma estátua. E, se você pressionar duas vezes…
– Assim?
FOM! FOM!
– Velho é a sua avó! – Chapatin começa a distribuir pancadas com o saquinho, acertando o professor.
– O que que foi, que que foi, que que há?
– Você não é o Chapolin… como trocaram de lugar tão rápido?
– Claro que não!
– É que você foi paralisado pela corneta – Chapolin se levanta e devolve o aparato para o professor. A cadeira em que estava, então, começa a se mexer sozinha e sai de trás dele sem ser notada – é um objeto muito interessante, eu acho…
Chapolin vai se sentar, mas a cadeira não está mais lá. Ele cai de costas no chão e olha, assustado, para o objeto, que continua se movendo sozinho pelo laboratório.
– Um fantasma!
– Calma, Chapolin, isso é só mais uma de minhas invenções.
– Uma cadeira robô?
– Não – ele tira um pequeno frasco do bolso e põe sobre a mesa – é que apliquei nela o extrato de energia volátil.
– Extrato de energia vo o quê?
– Látil.
– Puxa!
– Quando injetado, ele faz com que objetos se comportem como animais, mais especificamente, como pássaros. Vários móveis do laboratório já saíram voando e nunca mais voltaram, eu tive que construir essa cela pra evitar que eles saíssem por aí – O professor puxa uma cortina e exibe uma grande cela gradeada, como uma cadeia, contendo algumas cadeiras, mesinhas e uma TV, que se mexiam e voavam de um lado para outro.
– O senhor é realmente um gênio, professor.
– Ah, o que é isso – ele fica envergonhado – mas vamos ao que interessa. Fiquei sabendo que quer seguir a carreira de herói e tenho alguns presentes que podem te ajudar.
Eles vão para outro canto do laboratório, cheio de aparatos eletrônicos, e ficam de frente para um manequim vestindo um uniforme vermelho, com um coração amarelo no peito e antenas no capuz.
– Deixe-me explicar algo importante: As pessoas emitem energia de acordo com seus pensamentos e suas emoções. Uma pessoa negativa, emite uma energia negativa, e atrai energia negativa. Uma pessoa boa, com pensamento positivo, só emite e atrai energia boa para si, e assim também com nossas emoções. Eu descobri uma forma de detectar essa energia, com essas anteninhas de vinil.
– Com essas anteninhas, você será capaz de detectar a presença do inimigo, e também de pessoas em perigo. Essas pessoas vão atrair você quando precisarem de ajuda, e você poderá salva-las.
– Olha Professor – Chapolin responde – desculpe, preciso ser sincero, não sei se sou a pessoa mais indicada para isso… eu enfrentei o Tripa Seca por que precisei, mas eu estava me borrando de medo, na verdade eu sou um covarde!
– Foi por isso que eu te trouxe aqui – diz o Doutor Chapatin.
– Por ser um medroso?
– Sim – respondeu Professor Baratinha – o bem atrai o bem, o mal atrai o mal e o medo atrai o medo, só um covarde poderia ser atraído por uma pessoa que está morrendo de medo em uma situação de perigo.
– Mas você é capaz de superar seus medos em uma situação de perigo, Chapolin – acrescenta Chapatin – você provou isso. E isso faz de você um verdadeiro herói.
– Também tenho mais algumas invenções que podem te ajudar, caso você esteja interessado no serviço – Baratinha continua – Vamos começar com as Pílulas encolhedoras, o efeito é passageiro, mas, por alguns instantes, elas poderão te deixar bem pequeno.
– Então não vai fazer diferença – rebate Chapatin – Ele já é do tamanho de um brinquedinho, se encolher mais, vai virar um micróbio.
– É, você tem razão – Baratinha analisa pensativo.
– Aproveitam-se de minha nobreza – diz o jovem, sério.
– Mas aqui está a arma principal: Uma marreta biônica – o professor mostra uma marreta vermelha, de cabo amarelo.
– Tomara que seja mais leve do que a outra.
– É exatamente isso. Quando Chapatin me falou sobre sua força física e seu porte atlético…
Chapolin estufa o peito todo orgulhoso.
– … decidimos fazer uma arma bem leve que qualquer criança conseguisse levantar. Mesmo assim, ela é bem forte e resistente.
O rapaz ia protestar, quando começam a ouvir um bip repetitivo.
– Que barulho é esse?
– Está vindo das antenas – aponta Chapatin.
– Está indicando que alguém mal-intencionado se aproxima. Alguém deve ter invadido o laboratório, tem muita gente querendo pôr as mãos em minhas invenções.
– Vou vasculhar o prédio, vocês esperem aqui – Chapolin sai decidido à procura do vilão.
Instantes após Chapolin sair pela porta principal, um homem armado entra pela porta lateral e rende os dois velhos.
– Mãos ao alto!
– Oh não, quem é você? – pergunta, assustado, o professor Baratinha.
– Como assim, quem é ele, em que mundo você vive? – retruca Dr. Chapatin – por acaso não conhece Severiano Mirón? O mais famoso espião do mundo? Já deu entrevista em todos os canais, e ouvi falar que está cotado para participar de um reality show no ano que vem. Escuta, Sr. Mirón, ainda está namorando com aquela atriz famosa, a…
– Calem a boca! Hoje estou aqui a trabalho. Entrem já naquela cela, vou revisar esse prédio de cima a baixo e roubar todas as suas invenções para vender no mercado negro – Ele fecha a porta da cela com os velhos dentro e sai por onde entrou.
Pela outra porta, volta o Chapolin, e se depara com os velhos presos.
– O que vocês estão fazendo aí?
– Que bom que você voltou, Chapolin, o famoso espião Severiano Mirón está aqui!
– Puxa, será que ele me dá um autógrafo?
– Você não entendeu, ele está aqui para roubar minhas invenções e por isso nos prendeu aqui nesta cela.
– Minha nossa, tenho que detê-lo. Ei, cadê o Dr. Chapatin?
– Aqui em cima! – o doutor havia sentado em um banquinho, que saiu voando pela cela – por favor, me ajudem.
– Isso não é hora de ficar brincando, temos um problema muito sério pra resolver.
– E agora, Chapolin? – pergunta Chapatin, descendo com dificuldade do banco flutuante – o que vamos fazer?
– Quer saber se planejei algo?
– Quero!
– A resposta é muito simples!
– Qual?
– Não planejei nada!
Os velhos suspiram fundo.
– Você consegue nos tirar daqui, Chapolin? – pergunta Baratinha.
– Vou tentar – ele começa a puxar as barras com toda a força, usando as próprias mãos, mas elas nem se mexem – Não estou conseguindo, esse aço super reforçado é mais uma de suas invenções?
– Não, isso é só uma gaiolinha barata mesmo.
– Suspeitei desde o princípio. Estou ouvindo passos, deve ser o espião voltando, eu tive uma ideia – ele olha para o manequim – vou vestir o uniforme e fingir ser o manequim, assim, quando o espião chegar, eu pego ele de surpresa.
Quando Severiano volta para a sala, Chapolin já está de uniforme e marreta na mão, no lugar onde estava o manequim.
– Eu sei que vocês têm muitas coisas escondidas por aqui, velhote. Não vou descansar até encontrar tudo. Mas, o que é isso? – ele encara Chapolin – Que estátua horrível, com essa cara, nem parece de verdade. Vocês podem ficar com isso, ninguém vai querer pagar por esse troço feio mesmo. Espero que as outras invenções sejam melhorzinhas.
O espião vira de costas para Chapolin, e o herói se prepara para golpea-lo de lado com a marreta.
– Vamos ver o que temos nessa gaveta – Severiano se abaixa para procurar e o golpe da marreta passa direto por cima, sem relar nele, Chapolin rodopia várias vezes e volta para a posição anterior.
– Não tem nada aqui, o que é isso? – ele pega o frasco com o extrato de energia volátil sobre a mesa, Chapolin prepara novamente o golpe, dessa vez, de cima para baixo – é o seu remédio pra Alzheimer, vovô? – O espião vai pra perto da cela para dar o frasco ao professor, o golpe passa bem pertinho dele.
– Senti uma corrente de ar, onde será que fica a janela? Deve estar vindo ali de fora – ele sai de novo do laboratório.
– Chapolin, venha cá – Baratinha o chama – me traga aquela seringa ali, eu tive uma ideia pra nos tirar daqui.
O professor, então, aplica o extrato de energia volátil em uma das barras de ferro da cela, que logo começa a tremer.
– Agora, essa barra de ferro vai criar vida e sair para dar um passeio, assim a gente consegue sair daqui.
– Veja só, que demais – Chapolin chega bem pertinho da barra para observar. A barra, então, salta e acerta Chapolin bem no rosto.
– Cuidado, Chapolin, não vai estragar minha barra de ferro.
Os velhos ficam livres, mas o espião retorna e os surpreende.
– Onde vocês pensam que vão? E quem é você, com essa fantasia ridícula?
– Sou o Chapolin Colorado, e você não vai sair livre daqui.
– Claro que não – concorda o espião – vou sair com os braços cheios de equipamentos do professor. E vocês vão me ajudar a reunir tudo – ele aponta a arma para os três. Onde estão suas invenções revolucionárias? Só encontrei um monte de sucata nesse laboratório.
– É porque nada disso aqui importa – diz Chapolin, e todos se voltam para ele confusos – todas as invenções e fórmulas revolucionárias estão na mente do professor, ele consegue se lembrar de cada detalhe porque toma o elixir da inteligência que guarda sempre consigo, essa é a única e verdadeira invenção que ele precisa.
– Maravilhoso – diz o vilão – me passe para cá, agora – ele tira o frasco com o extrato de energia volátil das mãos do professor – isso deve valer uma fortuna!
– Claro que vale, estamos falando em inteligência para criar todo tipo de invenções milionárias, a pessoa que beber isso vai ficar muito rica. Mas, por favor, vá embora e deixe os pobres velhinhos em paz.
O vilão olha para o frasco pensativo.
– Quem beber vai ficar muito rico, não é? – e vira o frasco na boca de uma vez, engolindo todo o líquido.
Logo, o espião começa a tremer e, lentamente, a flutuar.
– O que está acontecendo? Eu estou voando? Me ajudem, como eu volto para o chão?
– Boa Chapolin! Agora ele não vai mais poder nos ameaçar.
– Vocês esqueceram de uma coisa – diz o vilão rodopiando no ar acima deles – eu ainda estou armado e posso atirar em vocês daqui de cima. Me ajudem a descer ou eu encho vocês de balas.
– Palma, palma, não priemos cânico – diz Chapolin – vou descer você em um segundo – ele pega a corneta paralisadora e aponta para Severiano, que já estava encostado no teto do laboratório.
FOM!
Paralisado feito uma pedra, o bandido cai de uma vez e abre um buraco no chão.
– Não contavam com minha astúcia!
***
Algum tempo depois, a polícia leva Severiano Mirón para a cadeia.
– Parabéns, Chapolin Colorado, derrotou o Tripa Seca e Severiano Mirón, sua fama logo vai se espalhar – cumprimenta-o o Dr. Chapatin.
– Não estou interessado em fama, o importante é poder ajudar as pessoas em perigo.
Então, as anteninhas de vinil começam a apitar de uma maneira diferente da primeira vez.
– Minha nossa, estou sentindo que há alguém em grave perigo!
– E está se sentindo com coragem para ir ajudar? – pergunta o professor Baratinha, se juntando à conversa.
– Bem, na verdade, não. Mas não posso ficar aqui parado enquanto um semelhante precisa de ajuda.
Os dois velhos observam, admirados, enquanto Chapolin pega a marreta biônica e sai em busca de sua nova missão, dizendo:
– Sigam-me os bons!